sexta-feira, 5 de setembro de 2014

ARTIGOS DE OPINIÃO PRODUZIDOS NA DISCIPLINA SEMINÁRIO III (Geração Literária de 1960 no Piauí) / 2014/1

O MRC NO PIAUÍ

Ana Carla Cunha dos Santos[2]

(anacarlacunhasantos@hotmail.com)

Francisco das Chagas Gomes Soares

(chagasggomes@gmail.com)

Roberta Kelly Silva Rodrigues

(robertasrodrigues@hotmail.com)


Na década de 1960, intelectuais piauienses ajudaram, de alguma forma, no aparecimento de instituições culturais, como a Academia Mafrensiana de Letras (AML), o Centro de Estudos Piauienses (CEP), o Movimento de Renovação Cultural (MRC) e o Circulo Literário Piauiense (CLIP). O núcleo de idealização e propagação dessas instituições foi a Academia Piauiense de Letras (APL) e a Faculdade Católica de Filosofia (FAPI), sem dizer de lugares informais nos quais os intelectuais se reuniam para debater política, economia e cultura. Nesse contexto, oMRC se destacou, sendo as obras editadas por ele muito relevantes para o Estado do Piauí.

1. Contexto histórico

Durante os anos de 1960, o Piauí enfrentou uma de suas maiores crises econômicas, em decorrência do fim do ciclo do extrativismo vegetal, representado pelas exportações de borracha de maniçoba, coco babaçu e cera de carnaúba. Alguns intelectuais piauienses, procurando reagir a essa situação, passaram a formular projetos de desenvolvimento para a região, com a criação, por exemplo, da Revista Econômica Piauiense, da Faculdade Católica de Filosofia, do Centro de Estudos Piauienses e do Movimento de Renovação Cultural, que buscaram a compreensão dos problemas sócioeconômicos que mais afetavam a população.

Neste período, Teresina apresentava muitas deficiências. Ainda não possuía ligação rodoviária com a segunda cidade mais importante do Estado, Parnaíba, e era a única capital no país que não tinha aeroporto com pista pavimentada, nem serviço de esgoto, sem dizer que se encontrava esburacada, cheia de lama, poeira, lixo, carniça e mictórios nas ruas urbanas. Os meio-fios estavam descuidados, tomados de mato e água podre.

Foram efetivadas várias medidas econômicas no Piauí durante a administração de Jacob Manuel Gayoso e Almendra (1955-1959), como a criação da Comissão de Desenvolvimento do Estado (CODESE), em 1956, e de empresas de economia mista como o Instituto de Águas e Energia Elétrica (IAEE) e Departamento de Estradas e Rodagem (DER-PI), em 1955, Frigorífico do Piauí S/A (FRIPISA), em 1957, e Banco do Estado do Piauí S/A (BEP), em 1958. Além disso, houve a inauguração, em 1957, da ponte sobre o rio Poti, em Teresina, que contou com a presença do presidente da República Juscelino Kubitschek, que lhe dá o nome.

No governo Francisco das Chagas Caldas Rodrigues (1959-1962), as ações de desenvolvimento do Estado foram ampliadas, com a instalação de quatro empresas de economia mista: Centrais Elétricas do Piauí S/A (CEPISA) e Agroindústrias do Piauí S/A (AGRINPISA), em 1959, Telefones do Piauí S/A (TELEPISA), em 1960, e Águas e Esgotos do Piauí S/A (AGESPISA), em 1962. A (CODESE), por sua vez, teve as funções ampliadas, com a criação, em 1959, do Conselho de Desenvolvimento e da Secretaria Executiva, sendo o professor Raimundo Nonato Monteiro de Santana o seu primeiro secretário-executivo.

Além dessas ações estatais, setores da sociedade piauiense, especificamente, a Igreja Católica e os profissionais da educação, também contribuíram para o desenvolvimento, criando relevantes instituições culturais, como a Faculdade Católica de Filosofia (1957) e a Faculdade de Odontologia do Piauí (1959), as quais formaram a estrutura inicial da Universidade Federal do Piauí, ao lado da Faculdade de Direito, a primeira do Estado, e da Faculdade de Medicina.

A década de 1960 foi, assim, marcada por reflexões e realizações que procuravam minimizar os efeitos da crise econômica e a precariedade de infraestrutura das cidades piauienses, principalmente de Teresina. Nesse sentido, alguns intelectuais se sensibilizaram contra essa situação desfavorável e buscaram compreender-lhe a realidade sócioeconômica pelo estudo da sociedade piauiense, desde a colonização, para poderem intervir com mais segurança nos problemas levantados.

2. O MRC

O Movimento de Renovação Cultural (MRC) surgiu na década de 1960 quando, no que concerne ao estímulo à cultura, o poder estatal executou medidas importantes, como a instituição criada pelo governador Francisco das Chagas Caldas Rodrigues, pela Lei nº 2.208, de 17 de novembro de 1961, que realizava um concurso anual de literatura, com a premiação em dinheiro, nos mais variados gêneros literários: ficção, poesia, teatro, ensaios e crônicas.

Nesse movimento, se destacaram intelectuais como Odilon Nunes, Joaquim Chaves, José Camilo da Silveira Filho, Manoel Paulo Nunes, José Miguel de Matos, Arthur Passos, Pedro Celestino Leite, Raimundo José dos Reis, José Ribeiro e Silva, Maria Nerina Pessoa Castelo Branco, dentre outros. No entanto, o seu grande articulador foi Raimundo Nonato Monteiro de Santana, o professor Santana.

Como incentivo à produção cultural do Estado, o governo Chagas Rodrigues contratou, em 1962, Odilon Nunes e Raimundo Santana para escreverem obras de historiografia do Piauí, por causa da carência de livros sobre o assunto. Como Santana e Odilon Nunes já possuíam estudos ligados à economia, sociedade e administração estadual, com informações sobre a situação econômica do Piauí a partir do período colonial, o convite caiu muito bem para que os escritores do MRC começassem a construir a história escrita do Piauí. Segundo Moura (2010, p. 71),

"podemos especular que a intenção dessas narrativas pode estar vinculada à perpetuação de imagens, que dignificam certos personagens e/ou lugares, bem como a identificação de soluções para os problemas do presente, a partir do estudo e da análise dos acontecimentos que marcaram o passado de uma sociedade".

O MRC foi, pois, um movimento que tinha como ponto forte publicações de obras de cunho histórico-social e que surge, como diz o professor Santana, em coluna do jornal O Dia (1964, p.2), “para quebrar o tabu de que toda entidade cultural de Teresina nasce, mas não se cria, e para construir algo concreto a respeito da história, cultura, economia, sociedade e política do Estado do Piauí desde sua colonização”.

"Em meio a tudo, sinal de luz daquele tempo que não vai assim tão distante, está o Movimento de Renovação Cultural, idealização do professor Raimundo Nonato Monteiro de Santana, vetor de animação intelectual de tudo que se coloca enquanto possibilidade de situar noutras bases as grandes questões em debate no Piauí". (SANTOS NETO, 2001).

Como disse Fonseca Neto, Santana foi de suma importância para a organização, publicação e divulgação das obras durante o movimento, uma vez que era ele quem as reunia a elas e aos intelectuais e incentivava e estimulava a criação de novas narrativas. O MRC teve como principais obras publicadas Súmula de história do Piauí, de Odilon Nunes; Evolução histórica da economia piauiense e Perspectiva histórica do Piauí, de R. N. Monteiro de Santana; Folclore piauiense, de Arthur Passos; e Sinais de Seca, de Pedro Celestino Leite de Barros. Todas elas são consideradas, hoje, verdadeiros clássicos.

Líder do MRC, Santana, por suas ligações políticas, obteve apoio para a publicação das obras, como o dado por Ezequias Costa, que conseguiu recursos para estudos referentes ao Piauí. Santana pôde, nesse período, construir a própria gráfica e editora, fato fundamental para as edições, que eram divulgadas no Estado e fora dele, propiciando a intelectuais do país conhecerem o cenário econômico, histórico e social do Piauí, sem criarem rótulos apressados, como costumavam fazer, principalmente, os do centro-sul do Brasil. Aliás, os participantes do MRC tiveram grande envolvimento na preservação do acervo histórico do Estado: Odilon Nunes, por exemplo, tinha verdadeira adoração pelo Arquivo Público do Piauí, a sua principal oficina no manejo das artes históricas.

É graças a intelectuais como os que integraram o MRC que o Piauí tem um acervo científico sobre o trajeto histórico da sua sociedade, pois eles conseguiram transformar dados brutos em estudos relevantes para o reconhecimento das origens culturais, políticas, econômicas e sociais do Estado. Para a professora Teresinha Queiroz, o MRC procurou legitimar explicações para o Estado a partir da análise de seus problemas, sugerindo soluções e propostas para resolvê-los. Assim, a forma que Odilon Nunes e Raimundo Santana encontraram para contribuir com o desenvolvimento do Estado foi através de escritos e estudos da sociedade piauiense desde os primórdios.

O MRC era considerado por muitos críticos como um movimento feito por um grupo fechado, ao qual poucos tinham acesso, desprovido de cunho popular. Tal fato pode ser explicado porque oMRC era estritamente intelectual, no sentido técnico, sem realizações de efeito, como festivais, saraus, programas de rádio, etc. É que os principais envolvidos eram pesquisadores da história, da economia e da política e tinham como objetivos formar um acervo histórico da sociedade piauiense e divulgar a situação do Estado nessas áreas.

O CLIP (Círculo Literário Piauiense), liderado por Herculano Moraes[3], foi o grupamento responsável pelas principais criticas ao MRC. Herculano não lhe negava a importância como fomentador de obras importantes para a história, literatura e economia do Piauí, porém afirmava que não conseguiu renovar coisa nenhuma na cultura piauiense. Ora, já foi dito que o MRC não teve repercussão popular e não era esse o seu objetivo. Aliás, muitas das críticas de Herculano Morais e clipeanos se deram, na verdade, por motivos de disputa intelectual, pois o CLIP surgiu no auge das publicações do MRC, querendo espaço e reconhecimento do meio literário local.

O MRC terminou sem grandes explicações. Acredita-se que, como possuía somente um líder, Raimundo Santana, e este, por algum motivo, não continuou encabeçando a publicação das obras e reunindo os participantes, o fim ocorreu.Todavia, os escritores, historiadores, economistas e políticos que dele participaram continuaram produzindo obras de forma independente, uma vez que seus estudos, mesmo antes do MRC, já ocorriam. Herculano diz que o ocaso do MRC teria sido influenciado pelo surgimento, em 1965, do romance, da poesia e do conto renovador do CLIP, que ajudaram a destruir o formalismo das percepções literárias daquele fechado grupo.

Pedro Celestino, que teve obra literária (Sinais de Seca, contos) publicada pelo MRC, afirmou que “acabou cedo [o MRC] sem ninguém saber por que acabou, parece que cada [membro] arribou [...]. Eu achei muita fraqueza do Santana ter abandonado aquilo; ele era o cabeça!”. O historiador Fonseca Neto entende que “a ventania golpista e o desfecho de 64 foi que levaram de roldão o MRC”, pois “a força e a natureza que habitavam no movimento e davam lhe consistência colidiam, direto, com o furor retrógrado, reacionário, do golpismo imposto.” Segundo o professor Airton Sampaio, "um grande erro de qualquer movimento é possuir somente um líder, pois se esse sair do grupo, por algum motivo, o movimento, possivelmente, não se sustentará. E, ao que parece, o professor Santana foi para Brasília para trabalhar na UnB". Aliás, a professora Teresinha Queirós acredita que o MRC se constituiu, mesmo, num movimento.

3. Obras, atualmente clássicas, do MRV

3.1. Evolução Histórica da Economia Piauiense, de R. N. Monteiro de Santana

Essa obra decorreu de uma espécie de contrato entre o professor Santana e o governo, que permitiu a publicação da primeira edição, que não se destinou somente à elite intelectual piauiense, mas a comerciantes e industriais da região e, também, ao setor administrativo estatal. Segundo Francisco Veloso (2001),

"os trabalhos de R. N. Monteiro de Santana, em especial Evolução Histórica da Economia Piauiense, constituem não apenas uma ampla e erudita visão da formação e evolução do sistema econômico piauiense, mas também uma base para a etapa de diagnóstico nos procedimentos de planejamento econômico governamental".

O intuito do autor, ao produzir a obra, foi analisar as influências dos fatores econômicos no Piauí,partindo dos primórdios da colonização para compreender o sistema econômico do Estado, ilustrando como a pecuária, os hábitos de vestuário e de habitação, entre outros, influenciaram o devassamento e o povoamento da região. Nessa obra, Raimundo Santana aborda, ainda, a estagnação da pecuária e da participação do Piauí no comércio mundial pela exportação de arroz, algodão, borracha de maniçoba, cera de carnaúba e babaçu, o que não trazia apenas aspectos positivos, mas também desfavoráveis, pois a economia local acabava sujeita às suas oscilações. Santana propõe a seguinte divisão cronológica da evolução econômica piauiense: Formação da Economia de Subsistência, Estagnação Econômica, Participação no Comércio Internacional e Integração no Mercado Nordestino. Não ficam claros, porém, os limites entre essas fases.

O livro Evolução Histórica da Economia constitui, pois, um trabalho histórico e interpretativo dos fatos, cujo campo de investigação era a própria realidade social.

3.2. Folclore Piauiense, de Arthur Passos

Em 1965, as edições de cultura do MRC anunciavam mais uma obra, dessa vez de Artur Passos, intitulada Folclore Piauiense. O autor não tinha formação acadêmica, foi jornalista, contista e cronista e integrante do CEP (Centro de Estudos Piauienses). Nessa obra, Passos procura preencher vazios no que se refere a mitos e lendas do Piauí, uma temática até então pouco abordada pelos homens de letras.

O escritor resumiu um conjunto de tradições populares em prosa e verso que, até então, era desconhecido da elite intelectual piauiense. Passos obteve esse acervo em histórias narradas por personagens simples, como crioulos, semianalfabetos, vaqueiros, caçadores, trabalhadores do campo, em geral personalidades sem destaque na história local. O autor concluiu que o folclore surgiu da união do vaqueiro, do agricultor sertanista e da superstição popular, este um sentimento que vive e se mantém pelo medo de aparições fantásticas e pelo pavor de almas de outro mundo, uma junção perfeita para o surgimento do folclore.

"Além dos artigos de Torquato Neto, o folclore do Piauí havia sido tematizado pelo jornalista, cronista e contista Artur Passos [...]. Dedicado à literatura oral e à fixação de canções, anedotas e versos populares, o livro de Artur Passos indicava as questões que se tornariam recorrentes nos enunciados do folclore piauiense, que eram a sua legítima nordestinidade e a sua ameaça de extinção pelo tempo “que gasta o próprio bronze‟, o que, segundo o autor, apontava para a necessidade do registro escrito: Já se tem dito e escrito, e é uma verdade, que se dispersarão aos poucos, sob a avalancha de novos costumes, esses nossos contos, cantos e dizeres populares nordestinos, por falta de músicos de boa vontade e talento que os tomem por escritos" (REBELO, 2008, p.2).

3.3. Súmula de História do Piauí, de Odilon Nunes

Nunes divide essa obra em seis partes: período tribal, período anárquico, período de tentativa de organização, período da ordem, período da organização e período da angústia social.

Na primeira parte, Odilon aborda o período de integração do Piauí ao Brasil, ocorrido em 1845, deixando claro que até a década de 1960 isso não se teria dado de forma satisfatória, uma vez que ainda existia partes do Piauí pertencentes ao Brasil arcaico, marcado pela pecuária de subsistência, pecuária extensiva e isolamento regional. Destaca também o processo de colonização pelos bandeirantes paulistas e pela Casa da Torre da Bahia, a luta entre os colonos e os indígenas, o papel dos jesuítas na fundação da primeira capela do Piauí, a predominância da pecuária e a disputa por terras entre posseiros e sesmeiros.

No período anárquico, mostra Odilon o modo de viver de uma população dispersa, sem organização social e política. O historiador enfatiza a intensidade das lutas entre posseiros, sesmeiros e indígenas e relata o primeiro passo que levaria a região a sair da desorganização social: a mudança de jurisdição de Pernambuco para a do Maranhão e a elevação do Piauí a Capitania.

Nas tentativas de organização, ordem e organização, Nunes mostra as formas de organização social, política e econômica do Piauí que se deram desde a chegada de Pereira Caldas, o primeiro governador da Capitania, até o surgimento da primeira oligarquia política, a de Manuel de Sousa Martins, que tanto correspondia aos anseios dos fazendeiros locais que nem a proclamação da República (1889) trouxe mudança ao cenário social.

Enfatiza, também, a importância da promulgação da Constituição do Estado, a elaboração do Código do Processo Penal e do Código do Processo Civil e Comercial do Piauí, além da criação da Escola Normal (a quarta até então), da Academia Piauiense de Letras (1917) e do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense (1918), destacando a atuação de vários intelectuais, como Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e Simplício Mendes, bem como a ascensão de novos produtos, na economia piauiense, sem dizer da abolição da escravidão e do advento da República. Nunes aborda, no fim, o período da angústia social, resultado da integração da civilização piauiense às demais civilizações brasileiras, e dá destaque à valorização das classes oprimidas, a partir das lutas pelo cumprimento das reformas provindas das grandes revoluções da história.

Conclusão

O Movimento de Renovação Cultural (MRC) teve e ainda tem grande importância no cenário da década de 1960 no Piauí. Na verdade, as obras do movimento são ainda hoje um grande suporte para estudiosos da historiografia, economia e literatura.

A preocupação com a legitimação cultural do Piauí como base de seu desenvolvimento sócioeconômico foi o que impulsionou os participantes do MRC a escreverem obras que trouxessem à tona uma identidade para a sociedade piauiense, porque os registros historiográficos eram demasiadamente pequenos, com deficiências de uma memória arquivista capaz de fazer frente ao trabalho de esquecimento do passado. Assim, sem grande alarde, o MRC procurou impulsionar as letras piauienses publicando obras que destacavam a economia e a sociedade do Estado, sendo o professor Santana incansável nessa organização e no impulso às letras, como meios de soluções para os muitos problemas políticos, sociais e econômicos que ainda hoje afetam o Piauí.

REFERÊNCIAS

CELESTINO, Erasmo. Odilon Nunes: historiador e educador. Teresina: Instituto Dom Barreto, 1996.
PASSOS, Artur. Folclore piauiense. Teresina: Secretaria de Cultura, 1965.
QUEIROZ, Teresinha. Emoção e respeito no discurso de posse. Presença. Teresina, ano 23, n. 41, p. 40, abr. 2008.
RABELO, Elson de Assis. A história entre tempos e contratempos: Fontes Ibiapina e a obscura invenção do Piauí. Dissertação (Mestrado em História). UFRN. Natal, 2008.
SANTANA, R. N. Monteiro de. Economia piauiense: problemas de estrutura. In: Evolução histórica da economia piauiense e outros estudos. Teresina: FUNDAPI, 2008. p. 67-68.
_____. Evolução histórica da economia piauiense e outros estudos. Teresina: FUNDAPI, 2008.
SANTOS NETO, Antônio Fonseca dos. Apresentação. In: NUNES, Odilon. Súmula de história do Piauí. 2 ed. Teresina: APL, 2001, p.17.
SOUSA, Luís Antônio de. Problemas piauienses. Teresina: Empresa Publicitária Piauiense, 1954.
VELOSO, Francisco. Apresentação. In: SANTANA, R. N. Monteiro de. Evolução histórica da economia piauiense. 2. ed. Teresina: APL, 2001.
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[1] Artigo produzido na disciplina Seminário IV, ministrada na UFPI, em 2014/1, pelo prof. Airton Sampaio (airtonsa@hotmail.com).
[2] Graduandas em Letras na Universidade Federal do Piauí.
[3] Para a produção desse artigo foram ouvidos Airton Sampaio, Herculano Moraes, Pedro Celestino Leite, Antônio Fonseca dos Santos Neto e Teresinha Queirós. O professor R. N. Monteiro de Santana não foi ouvido por motivos de doença.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

MUNDO, BRASIL E PIAUÍ: O PANORAMA POLÍTICO DA DÉCADA DE 1960

Carla R. da Silva Cardoso (carlaribeiro_13@hotmail.com)
Maria Luiza de O. Paiva (maria_luiza_02@hotmail.com)
Josianne Maria da Silva Abreu (professorajosianne@hotmail.com)
Silo Alves Bezerra Neto (ladinosilo@gmail.com)


INTRODUÇÃO

O presente artigo trata do panorama político da década de 1960, abordando os acontecimentos marcantes dessa época no mundo, no Brasil e no Piauí. Emir Sader, referindo-se a esse período, indaga e responde: “Por que a década de 1960 e seu ano símbolo, 1968, foram anos de sonhos, utopias, assaltos ao céu? As razões são muitas e variadas, mas certamente o marco internacional ajuda a compreendê-las”. Hohlfeldt (1999, p 38), por sua vez, afirma que “a principal característica da década de 60 é a contradição [que] se expressa através de variadas e múltiplas posições em todos os campos da atividade política, econômica e cultural”.

1.  A DÉCADA DE 1960 NO MUNDO

Um dos acontecimentos mias importantes que permearam o cenário internacional da década de 1960 foi a Guerra Fria, que teve início após a Segunda Guerra Mundial (1945) e durou até a extinção da União Soviética (1991). Consistiu em conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, que disputavam a supremacia política, econômica e militar no mundo. A divergência entre as duas grandes potências levou-as a um processo de corrida armamentista e aeroespacial, aumentando ainda mais a rivalidade entre Estados Unidos (capitalista) e União Soviética (socialista).

Os movimentos feministas, que visavam ao reconhecimento dos direitos das mulheres, como a entrada no mercado de trabalho, a formação superior, a liberação sexual (esta ocasionada em grande parte pela invenção da pílula anticoncepcional), a igualdade salarial com o os homens, a legalização do aborto, a aprovação do divórcio, o direito de voto e a participação política, entre outros, também foram relevantes. Eric Hobsbawn (2009, p. 305) afirma que

"a entrada em massa de mulheres casadas - ou seja, em grande parte mães - no mercado de trabalho e a sensacional expansão da educação superior formaram o pano de fundo, pelo menos nos países ocidentais típicos, para o impressionante reflorescimento dos movimentos feministas a partir da década de 1960".

Outro fator de destaque refere-se ao Movimento Negro Americano, que lutava por direitos e pelo fim da discriminação racial. Realçam-se aí o líder pacifista Martin Luther King, responsável pela edição de leis que garantiam a igualdade entre brancos e negros, e o também líder Malcom X, este à frente dos Panteras Negras, que não agiam pacificamente. Ainda se pode destacar como muito relevante a contracultura jovem que, no entendimento de Eric Hobsbawm (2009, p.233), "tornou-se a matriz da revolução cultural no sentido mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por homens e mulheres urbanos".

Assim, surgem ídolos pop como Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Janes Joplin, Jimi Hendrix, entre outros, e o rock vira símbolo da rebeldia jovem, expressa nas roupas informais, como jeans, nos cabelos longos e até no hábito de não tomar banho. Nesse contexto, avulta-se o movimento hippie, herdeiro dos beatniks, que pregava a paz, o amor e a liberação do corpo e dos desejos por meio (transcendentalismo) do uso de drogas, como LSD, cocaína, maconha, etc.

2. A DÉCADA DE 1960 NO BRASIL

A busca pelo poder no Brasil pelos militares vem desde o reinado de D. Pedro II, em que eles, inconformados com a situação política no país, tiveram grande influência no estabelecimento da República. A decisão tomada pelos militares de dar um golpe politico em 1964 não foi algo repentino, mas consequência de uma série de fatos acumulados no período. Após o suicídio de Getúlio Vargas, a política encontrava-se abalada: houve uma tentativa de golpe de Estado que não funcionou, pois Juscelino Kubitscheck assumiu o governo e conquistou, com medidas desenvolvimentistas, o apoio da população.

O presidente eleito que sucedeu Juscelino foi Jânio Quadros, que nas urnas obteve uma vitória imponente, ainda não vista no país. Num ambicioso plano político para alcançar plenos poderes, renunciou ao cargo para voltar e reassumir nos braços do povo, governando da forma que queria. Mas a renúncia foi aceita e o cargo de presidente acabou ficando com o vice, João Goulart.

Goulart havia aparecido na cena política nacional como ministro do Trabalho do segundo governo de Getúlio Vargas. Jango, como era conhecido, tinha tendência política de esquerda, ficando a situação ainda pior pois, quando recebeu a notícia da renúncia de Jânio, estava em viagem à China comunista. Os políticos de direita tentaram de várias formas impedir-lhe a posse, mas Brizola, primo de Jango e governador do Rio Grande do Sul, sustentou-lhe o retorno e a posse ocorreu, esvaziando-se- lhe, no entanto, o poder pela criação conciliatória do parlamentarismo.

Superado em plebiscito o parlamentarismo, Jango tentava aplicar uma política de esquerda, mas, sob pressão principalmente dos conservadores, buscava agradar a ambos os lados, sendo mais combatido pelos direitistas, que o viam como uma ameaça comunista. O estopim necessário para a eclosão do golpe militar de 19644 se deu quando Leonel Brizola e João Goulart fizeram um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março, instituindo as reformas de base, à frente a reforma agrária.

A oposição organizou e promoveu, seis dias depois, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um movimento de base religiosa que tinha como objetivo envolver o povo no combate ao comunismo. Assim, a Igreja, o povo e os interesses norte-americanos formaram uma base de sustentação que permitiu o golpe militar, que começou a tomar forma prática quando,em 28 de março de 1964, se reuniram, em Juiz de Fora, em Minas Gerais, os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys com o governador Magalhães Pinto, na qual se estabeleceu a data de 4 de abril de 1964 para o início da mobilização militar.

Diante do golpe militar e da dura repressão contra a massificação da cultura e a disseminação cultural, que contestavam o sistema governamental imposto, a ditadura instalou-se de vez, dentro da ditadura, em 13 de dezembro de 1968 (a ditadura dentro da ditadura), com plenos poderes dados ao governante do país para tomar qualquer decisão, até mesmo a tortura aos que a ela se apusessem. A ditadura batia de frente com os interesses da população, em especial o público jovem, que vivenciava uma forte influência europeia de costumes, devido à “expansão da massificação das informações e dos padrões de comportamento e de consumo”, que se tornaram possíveis pela chegada da televisão no Brasil, adicionado ao uso em massa do rádio, que no final dos anos de 1950 e inicio dos de 1960 consolidara-se como meio de comunicação e elemento fundamental na formação de hábitos da sociedade brasileira.

Surge assim uma mobilização da juventude brasileira para combater os abusos e atrocidades da ditadura. Por meio da rebeldia, protestos e movimentos, emerge uma maneira particular de contestar, a chamada Tropicália, movimento artístico do Brasil da década de 60 cujas letras das músicas possuíam um tom poético, elaborando críticas sociais e abordando temas de cotidiano de forma inovadora e criativa, dela tendo participado nomes importantes, como Torquato Neto, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Jorge Ben e muitos outros.

3. A DÉCADA DE 1960 NO PIAUÍ

Teresina foi construída em 1852, planejada por ordem de Saraiva, sendo feita semelhante a um tabuleiro de xadrez. Para Nascimento (2010), em cem anos a capital do Piauí continuara estagnada e desprovida de infraestrutura básica, com aspecto provinciano, com animais soltos pelas ruas (ainda hoje ocorre) e muitos casebres de palha. Na verdade, o maior desenvolvimento de Teresina passou por duas fases distintas.

A primeira ocorreu entre os anos de 1950 e 1960, quando a cidade se desenvolveu, especialmente no sentido Norte-Sul, com auxílio da condição topográfica da região, da edificação de conjuntos habitacionais, da implantação de infraestrutura e da criação do Distrito Industrial, o que contribuiu de forma significativa para a ocupação dessas zonas. A segunda fase aconteceu nos anos de 1970 e 1880, após a construção da Ponte Juscelino Kubitschek, erguido sobre o rio Poti, nos anos de 1960, que permitiu o avanço da cidade para as zona Leste e Sudeste, agregada à instalação, em 1971, da Universidade Federal do Piauí.

Teresina deu um grande salto na sua modernização no final da década de 1960 e inicio da de 1970, com o governo do engenheiro Alberto Tavares Silva, no qual a capital se desenvolveu de forma considerável em diversas áreas, como construção civil e confecções e bebidas, vivenciando um processo de mudança do espaço urbano. Houve então outras grandes obras no Piauí, como a construção do Estádio Albertão e da Estrada Transpiauí, que liga Teresina a Brasília, e o asfaltamento das avenidas Miguel Rosa e Frei Serafim, dentre outras. Já a chegada de meios de comunicação mais modernos foi bem tardia, só ocorrendo na década de 1970 (TV Rádio Clube).

Na ditadura militar, vale ressaltar a participação de Petrônio Portela nas políticas local e nacional, ele que defendera o mandato de João Goulart no rádio e depois, como tivera problemas, alegou que fizera, simplesmente, uma “proclamação em favor da legalidade” (PANTOJA; CAMARINHA, 1984, p. 2800). Nas décadas de 1960 e 1970, a trajetória política de Petrônio foi crescente: senador, vice-líder da UDN no Senado, líder do governo, presidente do Senado, presidente nacional da Arena, cargo confirmado pelo presidente Geisel, que governou o Brasil entre 1974 e 1979. Nessa função, Petrônio conduziu a sucessão dos governadores estaduais, tomando parte na escolha dos candidatos que seriam eleitos, indiretamente, em outubro de 1974. Como se vê, Petrônio mudara mesmo de lado.

Uma grande parte dos acontecimentos da ditadura no Piauí é esclarecida pela história, pois a ação dos censores durante o regime foi intensa. É importante relatar que agentes da Polícia Federal costumavam frequentar as emissoras de rádio para avaliar as notícias que seriam divulgadas, buscando controlar e intimidar radialistas e jornalistas.

Segundo Joel Silva (apud NASCIMENTO, 2006, p. 35-36), os profissionais tinham de fazer um cadastro na Polícia Federal e cumprir um “protocolo rigoroso”. Até a programação musical deveria ser conduzida ao Departamento Cultural da PF, com 24 horas de antecedência, para ser analisada. A Rádio Pioneira de Teresina era a mais visada pelos militares, pois tinha o projeto de colocar “os microfones a serviço da comunidade” (NASCIMENTO, 2006, p.39), permitindo a participação direta da população. A emissora também levava ao ar o programa do Movimento de Educação de Base (MEB), também avaliado como “subversivo” pelos militares, em consequência do que seus professores eram presos e vigiados. Agentes da polícia se dispunham a ficar do lado de fora da cabine de locução observando os profissionais para que o MEB não transmitisse mais do que o autorizado. Deoclécio Dantas, um dos integrantes na Rádio Pioneira entre 1964 e 1979, confirma essa “censura prévia”:

"A Rádio Pioneira era censurada diariamente. Eu, por exemplo, já nesse tempo como diretor de jornalismo da emissora recebia diariamente uma visita do agente federal, que levava um livro com um papel cortado, papel ofício, mas cortado em faixas, aí dizia lá: ‘De ordem superior nada pode ser divulgado sobre o pronunciamento de Dom Hélder Câmara feito em Recife’. No outro dia chegava outra censura: ‘De ordem superior nada pode ser divulgado sobre o surto de meningite em São Paulo’. Noutro dia chegava outro edital: ‘De ordem superior nada pode ser divulgado a respeito da renúncia do governador do Paraná, seu Aroldo Leão Pires’" (DANTAS, apud NASCIMENTO, 2006, p. 51-52).

É notório, assim, que a censura aos meios de comunicação durante o regime militar não se limitou às grandes capitais brasileiras, mas se alastrou pelo Brasil, incluído o Piauí. A ditadura militar aponta para um período marcado pela restrição das liberdades civis e de imprensa, por perseguições e violências contra jornalistas e civis contrários ao regime, sem dizer dos métodos de tortura e dos casos de assassinatos que envolveram militares a serviço do governo autoritário.

CONCLUSÃO

As décadas de 1960 e 1970 no mundo, e em especial no Brasil e no Piauí, foram um período de renovação política e cultural único, que contou com a participação da população nas decisões ou na tentativa de decidir o rumo do país. Sobretudo os jovens revolucionaram e transformaram a cultura, os costumes e a forma de fazer politica, enfrentando os abusos de uma ditadura fortemente instaurada, em 1964, pelos militares.

O “milagre econômico”, que aconteceu no Brasil na década de 1970, a chegada da televisão nos anos de 1960 e a consolidação do rádio como veículos de comunicação de massa foram responsáveis pela grande difusão de informações, combatendo a alienação da população jovem, que despertava e lutava pelos seus direitos de liberdade cultural e expressiva. No Piauí, o inicio da modernização de Teresina contou com obras significativas tanto para a aquisição de informação cultural e social quanto para o entretenimento da população, sendo genuínos exemplos disso a criação, em 1968, da Universidade Federal do Piauí (instalada em 1971) e a construção, em 1972, do Estádio Albertão (circo para o povo, no caso).

REFERÊNCIAS
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve séculos XX. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
HOHLFELDT, Antônio. A fermentação cultural da década brasileira de 60. Famecos, Porto Alegre, nº 11, dez. 1999.
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A censura e o rádio no Piauí. In: Nascimento, Francisco Alcides do, e SANTIAGO, Fernando (Org.). Encruzilhadas da História: rádio e memória. Recife: Bagaço, 2006.
NUNES, Petrônio Portela. Vivemos uma etapa decisiva. Entrevista a D’Alembert Jaccoud. Veja, São Paulo, n. 402, p. 3-4; 6/19 maio 1976. Páginas Amarelas.
PANTOJA, Silvia; CAMARINHA, Daniel. Juarez Távora. In: BELOCH, Israel; ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro: 1930-1983. Rio de Janeiro: Forense Universitária/ FGV-CPDOC/ FINEP, 1984, p. 2.799-2.802.
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Os autores são estudantes de Letras na UFPI e o artigo foi produzido na disciplina Seminário III (Geração literária de 1960 no Piauí), ministrada, em 2014/1, pelo prof. Airton Sampaio (airtonsa@hotmail.com).