segunda-feira, 4 de agosto de 2014

MUNDO, BRASIL E PIAUÍ: O PANORAMA POLÍTICO DA DÉCADA DE 1960

Carla R. da Silva Cardoso (carlaribeiro_13@hotmail.com)
Maria Luiza de O. Paiva (maria_luiza_02@hotmail.com)
Josianne Maria da Silva Abreu (professorajosianne@hotmail.com)
Silo Alves Bezerra Neto (ladinosilo@gmail.com)


INTRODUÇÃO

O presente artigo trata do panorama político da década de 1960, abordando os acontecimentos marcantes dessa época no mundo, no Brasil e no Piauí. Emir Sader, referindo-se a esse período, indaga e responde: “Por que a década de 1960 e seu ano símbolo, 1968, foram anos de sonhos, utopias, assaltos ao céu? As razões são muitas e variadas, mas certamente o marco internacional ajuda a compreendê-las”. Hohlfeldt (1999, p 38), por sua vez, afirma que “a principal característica da década de 60 é a contradição [que] se expressa através de variadas e múltiplas posições em todos os campos da atividade política, econômica e cultural”.

1.  A DÉCADA DE 1960 NO MUNDO

Um dos acontecimentos mias importantes que permearam o cenário internacional da década de 1960 foi a Guerra Fria, que teve início após a Segunda Guerra Mundial (1945) e durou até a extinção da União Soviética (1991). Consistiu em conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, que disputavam a supremacia política, econômica e militar no mundo. A divergência entre as duas grandes potências levou-as a um processo de corrida armamentista e aeroespacial, aumentando ainda mais a rivalidade entre Estados Unidos (capitalista) e União Soviética (socialista).

Os movimentos feministas, que visavam ao reconhecimento dos direitos das mulheres, como a entrada no mercado de trabalho, a formação superior, a liberação sexual (esta ocasionada em grande parte pela invenção da pílula anticoncepcional), a igualdade salarial com o os homens, a legalização do aborto, a aprovação do divórcio, o direito de voto e a participação política, entre outros, também foram relevantes. Eric Hobsbawn (2009, p. 305) afirma que

"a entrada em massa de mulheres casadas - ou seja, em grande parte mães - no mercado de trabalho e a sensacional expansão da educação superior formaram o pano de fundo, pelo menos nos países ocidentais típicos, para o impressionante reflorescimento dos movimentos feministas a partir da década de 1960".

Outro fator de destaque refere-se ao Movimento Negro Americano, que lutava por direitos e pelo fim da discriminação racial. Realçam-se aí o líder pacifista Martin Luther King, responsável pela edição de leis que garantiam a igualdade entre brancos e negros, e o também líder Malcom X, este à frente dos Panteras Negras, que não agiam pacificamente. Ainda se pode destacar como muito relevante a contracultura jovem que, no entendimento de Eric Hobsbawm (2009, p.233), "tornou-se a matriz da revolução cultural no sentido mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e nas artes comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por homens e mulheres urbanos".

Assim, surgem ídolos pop como Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Janes Joplin, Jimi Hendrix, entre outros, e o rock vira símbolo da rebeldia jovem, expressa nas roupas informais, como jeans, nos cabelos longos e até no hábito de não tomar banho. Nesse contexto, avulta-se o movimento hippie, herdeiro dos beatniks, que pregava a paz, o amor e a liberação do corpo e dos desejos por meio (transcendentalismo) do uso de drogas, como LSD, cocaína, maconha, etc.

2. A DÉCADA DE 1960 NO BRASIL

A busca pelo poder no Brasil pelos militares vem desde o reinado de D. Pedro II, em que eles, inconformados com a situação política no país, tiveram grande influência no estabelecimento da República. A decisão tomada pelos militares de dar um golpe politico em 1964 não foi algo repentino, mas consequência de uma série de fatos acumulados no período. Após o suicídio de Getúlio Vargas, a política encontrava-se abalada: houve uma tentativa de golpe de Estado que não funcionou, pois Juscelino Kubitscheck assumiu o governo e conquistou, com medidas desenvolvimentistas, o apoio da população.

O presidente eleito que sucedeu Juscelino foi Jânio Quadros, que nas urnas obteve uma vitória imponente, ainda não vista no país. Num ambicioso plano político para alcançar plenos poderes, renunciou ao cargo para voltar e reassumir nos braços do povo, governando da forma que queria. Mas a renúncia foi aceita e o cargo de presidente acabou ficando com o vice, João Goulart.

Goulart havia aparecido na cena política nacional como ministro do Trabalho do segundo governo de Getúlio Vargas. Jango, como era conhecido, tinha tendência política de esquerda, ficando a situação ainda pior pois, quando recebeu a notícia da renúncia de Jânio, estava em viagem à China comunista. Os políticos de direita tentaram de várias formas impedir-lhe a posse, mas Brizola, primo de Jango e governador do Rio Grande do Sul, sustentou-lhe o retorno e a posse ocorreu, esvaziando-se- lhe, no entanto, o poder pela criação conciliatória do parlamentarismo.

Superado em plebiscito o parlamentarismo, Jango tentava aplicar uma política de esquerda, mas, sob pressão principalmente dos conservadores, buscava agradar a ambos os lados, sendo mais combatido pelos direitistas, que o viam como uma ameaça comunista. O estopim necessário para a eclosão do golpe militar de 19644 se deu quando Leonel Brizola e João Goulart fizeram um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março, instituindo as reformas de base, à frente a reforma agrária.

A oposição organizou e promoveu, seis dias depois, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, um movimento de base religiosa que tinha como objetivo envolver o povo no combate ao comunismo. Assim, a Igreja, o povo e os interesses norte-americanos formaram uma base de sustentação que permitiu o golpe militar, que começou a tomar forma prática quando,em 28 de março de 1964, se reuniram, em Juiz de Fora, em Minas Gerais, os generais Olímpio Mourão Filho e Odílio Denys com o governador Magalhães Pinto, na qual se estabeleceu a data de 4 de abril de 1964 para o início da mobilização militar.

Diante do golpe militar e da dura repressão contra a massificação da cultura e a disseminação cultural, que contestavam o sistema governamental imposto, a ditadura instalou-se de vez, dentro da ditadura, em 13 de dezembro de 1968 (a ditadura dentro da ditadura), com plenos poderes dados ao governante do país para tomar qualquer decisão, até mesmo a tortura aos que a ela se apusessem. A ditadura batia de frente com os interesses da população, em especial o público jovem, que vivenciava uma forte influência europeia de costumes, devido à “expansão da massificação das informações e dos padrões de comportamento e de consumo”, que se tornaram possíveis pela chegada da televisão no Brasil, adicionado ao uso em massa do rádio, que no final dos anos de 1950 e inicio dos de 1960 consolidara-se como meio de comunicação e elemento fundamental na formação de hábitos da sociedade brasileira.

Surge assim uma mobilização da juventude brasileira para combater os abusos e atrocidades da ditadura. Por meio da rebeldia, protestos e movimentos, emerge uma maneira particular de contestar, a chamada Tropicália, movimento artístico do Brasil da década de 60 cujas letras das músicas possuíam um tom poético, elaborando críticas sociais e abordando temas de cotidiano de forma inovadora e criativa, dela tendo participado nomes importantes, como Torquato Neto, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Jorge Ben e muitos outros.

3. A DÉCADA DE 1960 NO PIAUÍ

Teresina foi construída em 1852, planejada por ordem de Saraiva, sendo feita semelhante a um tabuleiro de xadrez. Para Nascimento (2010), em cem anos a capital do Piauí continuara estagnada e desprovida de infraestrutura básica, com aspecto provinciano, com animais soltos pelas ruas (ainda hoje ocorre) e muitos casebres de palha. Na verdade, o maior desenvolvimento de Teresina passou por duas fases distintas.

A primeira ocorreu entre os anos de 1950 e 1960, quando a cidade se desenvolveu, especialmente no sentido Norte-Sul, com auxílio da condição topográfica da região, da edificação de conjuntos habitacionais, da implantação de infraestrutura e da criação do Distrito Industrial, o que contribuiu de forma significativa para a ocupação dessas zonas. A segunda fase aconteceu nos anos de 1970 e 1880, após a construção da Ponte Juscelino Kubitschek, erguido sobre o rio Poti, nos anos de 1960, que permitiu o avanço da cidade para as zona Leste e Sudeste, agregada à instalação, em 1971, da Universidade Federal do Piauí.

Teresina deu um grande salto na sua modernização no final da década de 1960 e inicio da de 1970, com o governo do engenheiro Alberto Tavares Silva, no qual a capital se desenvolveu de forma considerável em diversas áreas, como construção civil e confecções e bebidas, vivenciando um processo de mudança do espaço urbano. Houve então outras grandes obras no Piauí, como a construção do Estádio Albertão e da Estrada Transpiauí, que liga Teresina a Brasília, e o asfaltamento das avenidas Miguel Rosa e Frei Serafim, dentre outras. Já a chegada de meios de comunicação mais modernos foi bem tardia, só ocorrendo na década de 1970 (TV Rádio Clube).

Na ditadura militar, vale ressaltar a participação de Petrônio Portela nas políticas local e nacional, ele que defendera o mandato de João Goulart no rádio e depois, como tivera problemas, alegou que fizera, simplesmente, uma “proclamação em favor da legalidade” (PANTOJA; CAMARINHA, 1984, p. 2800). Nas décadas de 1960 e 1970, a trajetória política de Petrônio foi crescente: senador, vice-líder da UDN no Senado, líder do governo, presidente do Senado, presidente nacional da Arena, cargo confirmado pelo presidente Geisel, que governou o Brasil entre 1974 e 1979. Nessa função, Petrônio conduziu a sucessão dos governadores estaduais, tomando parte na escolha dos candidatos que seriam eleitos, indiretamente, em outubro de 1974. Como se vê, Petrônio mudara mesmo de lado.

Uma grande parte dos acontecimentos da ditadura no Piauí é esclarecida pela história, pois a ação dos censores durante o regime foi intensa. É importante relatar que agentes da Polícia Federal costumavam frequentar as emissoras de rádio para avaliar as notícias que seriam divulgadas, buscando controlar e intimidar radialistas e jornalistas.

Segundo Joel Silva (apud NASCIMENTO, 2006, p. 35-36), os profissionais tinham de fazer um cadastro na Polícia Federal e cumprir um “protocolo rigoroso”. Até a programação musical deveria ser conduzida ao Departamento Cultural da PF, com 24 horas de antecedência, para ser analisada. A Rádio Pioneira de Teresina era a mais visada pelos militares, pois tinha o projeto de colocar “os microfones a serviço da comunidade” (NASCIMENTO, 2006, p.39), permitindo a participação direta da população. A emissora também levava ao ar o programa do Movimento de Educação de Base (MEB), também avaliado como “subversivo” pelos militares, em consequência do que seus professores eram presos e vigiados. Agentes da polícia se dispunham a ficar do lado de fora da cabine de locução observando os profissionais para que o MEB não transmitisse mais do que o autorizado. Deoclécio Dantas, um dos integrantes na Rádio Pioneira entre 1964 e 1979, confirma essa “censura prévia”:

"A Rádio Pioneira era censurada diariamente. Eu, por exemplo, já nesse tempo como diretor de jornalismo da emissora recebia diariamente uma visita do agente federal, que levava um livro com um papel cortado, papel ofício, mas cortado em faixas, aí dizia lá: ‘De ordem superior nada pode ser divulgado sobre o pronunciamento de Dom Hélder Câmara feito em Recife’. No outro dia chegava outra censura: ‘De ordem superior nada pode ser divulgado sobre o surto de meningite em São Paulo’. Noutro dia chegava outro edital: ‘De ordem superior nada pode ser divulgado a respeito da renúncia do governador do Paraná, seu Aroldo Leão Pires’" (DANTAS, apud NASCIMENTO, 2006, p. 51-52).

É notório, assim, que a censura aos meios de comunicação durante o regime militar não se limitou às grandes capitais brasileiras, mas se alastrou pelo Brasil, incluído o Piauí. A ditadura militar aponta para um período marcado pela restrição das liberdades civis e de imprensa, por perseguições e violências contra jornalistas e civis contrários ao regime, sem dizer dos métodos de tortura e dos casos de assassinatos que envolveram militares a serviço do governo autoritário.

CONCLUSÃO

As décadas de 1960 e 1970 no mundo, e em especial no Brasil e no Piauí, foram um período de renovação política e cultural único, que contou com a participação da população nas decisões ou na tentativa de decidir o rumo do país. Sobretudo os jovens revolucionaram e transformaram a cultura, os costumes e a forma de fazer politica, enfrentando os abusos de uma ditadura fortemente instaurada, em 1964, pelos militares.

O “milagre econômico”, que aconteceu no Brasil na década de 1970, a chegada da televisão nos anos de 1960 e a consolidação do rádio como veículos de comunicação de massa foram responsáveis pela grande difusão de informações, combatendo a alienação da população jovem, que despertava e lutava pelos seus direitos de liberdade cultural e expressiva. No Piauí, o inicio da modernização de Teresina contou com obras significativas tanto para a aquisição de informação cultural e social quanto para o entretenimento da população, sendo genuínos exemplos disso a criação, em 1968, da Universidade Federal do Piauí (instalada em 1971) e a construção, em 1972, do Estádio Albertão (circo para o povo, no caso).

REFERÊNCIAS
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve séculos XX. São Paulo: Cia das Letras, 2009.
HOHLFELDT, Antônio. A fermentação cultural da década brasileira de 60. Famecos, Porto Alegre, nº 11, dez. 1999.
NASCIMENTO, Francisco Alcides do. A censura e o rádio no Piauí. In: Nascimento, Francisco Alcides do, e SANTIAGO, Fernando (Org.). Encruzilhadas da História: rádio e memória. Recife: Bagaço, 2006.
NUNES, Petrônio Portela. Vivemos uma etapa decisiva. Entrevista a D’Alembert Jaccoud. Veja, São Paulo, n. 402, p. 3-4; 6/19 maio 1976. Páginas Amarelas.
PANTOJA, Silvia; CAMARINHA, Daniel. Juarez Távora. In: BELOCH, Israel; ABREU, Alzira Alves de (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro: 1930-1983. Rio de Janeiro: Forense Universitária/ FGV-CPDOC/ FINEP, 1984, p. 2.799-2.802.
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Os autores são estudantes de Letras na UFPI e o artigo foi produzido na disciplina Seminário III (Geração literária de 1960 no Piauí), ministrada, em 2014/1, pelo prof. Airton Sampaio (airtonsa@hotmail.com).

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